O Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER) e a Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável inauguraram oficialmente, nesta terça-feira (5), o Laboratório de Hidrogênio e Combustíveis Avançados (H2CA) – primeira planta piloto do Brasil para produzir combustível sustentável de aviação (SAF, sigla em inglês para Sustainable Aviation Fuels).
O projeto representa um investimento de 1,4 milhão de euros (o equivalente a R$ 7,46 milhões) e tem, entre os principais objetivos, chegar a um combustível que ajude a reduzir as emissões de gases do efeito estufa no transporte aéreo brasileiro. A infraestrutura foi instalada no Hub de Inovação e Tecnologia (HIT) do SENAI do Rio Grande do Norte, a sede do ISI-ER, na capital, Natal, onde amplia a produção do insumo e, segundo fontes do mercado, abre novos horizontes para a indústria de aviação.
Potencial
“Este é um passo importante não só para Natal e o Brasil, mas também para a Alemanha e para o resto do mundo”, disse o gestor alemão Markus Francke, diretor do projeto H2Brasil, que financia a iniciativa. “O Brasil tem um potencial enorme para a redução de emissões, para a produção de SAF e para a exportação desse produto. Isso pode criar uma indústria nova com muitos postos de trabalho”, acrescentou, durante discurso na inauguração.
O diretor do SENAI-RN e do ISI-ER, Rodrigo Mello, ressaltou que há mais de 10 anos a instituição desenvolve trabalhos que buscam as melhores rotas tecnológicas para o progresso da indústria, com redução de emissões nos processos produtivos. “Esse é o momento de mudar a tecnologia de patamar. Estamos em evolução para uma planta maior, em que será possível a realização de testes para a multiplicação desse combustível em futuras plantas comerciais”, disse Mello.
“O Brasil não tinha planta piloto para isso e agora ela existe. Vamos produzir 5 litros/dia na unidade e as etapas seguintes serão certificar o combustível produzido e completar a avaliação técnica econômica, com valores, preços do produto, e então levá-lo para oportunidades de mercado, abrindo caminho para a construção de destilarias comerciais que produzam o combustível sustentável, um impacto importante para a sociedade porque é nesta hora que serão gerados empregos na construção, na operação, e empregos em uma indústria que paga mais do que a média industrial”, frisou o executivo.
Inovação
O presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (FIERN) e do Conselho Regional do SENAI-RN, Amaro Sales de Araújo, avaliou a iniciativa como “um marco para a tecnologia e a inovação”, complementando que “o Brasil é a bola da vez” no contexto global das energias renováveis e de outras tecnologias centradas na sustentabilidade.
“O SENAI do Rio Grande do Norte traz ao cenário mundial a produção de QAV (Querosene de Aviação) sustentável e isso anima bastante as indústrias, o governo e as instituições. Podemos dizer que a partir de hoje começamos a contar um novo tempo, dessa nova tecnologia que o mundo pede. É um momento importante para a história do Rio Grande do Norte, das energias, do Brasil e do mundo”, disse Sales.
Para a governadora Fátima Bezerra, o Laboratório posiciona o Rio Grande do Norte – que já é o maior produtor nacional de energia eólica em terra – ainda mais como protagonista no contexto da transição energética. Ela também destacou parcerias que o governo do estado firmou com o ISI-ER na área e que, nas palavras dela, “resultaram em ações muito importantes para expandir cada vez mais esse protagonismo”.
O cônsul honorário da Alemanha em Natal, Axel Geppert, ressaltou, por sua vez, que “a sustentabilidade é um tema caro a todos os países do mundo e que nos últimos 12 anos o governo alemão investiu mais de R$ 14 milhões em projetos com esse foco no Rio Grande do Norte. O novo laboratório, na análise dele, dá continuidade e aprofunda a relação do país com o estado, com potencial, inclusive, “de se tornar referência mundial”.
Presidente da Airbus ressalta importância do projeto para o Brasil e o mundo
Gilberto Peralta, presidente da Airbus Brasil, ressaltou a importância do projeto para a descarbonização e para a indústria de aviação no Brasil e no mundo.
“Um laboratório como esse ajuda a aumentar a capacidade de produção, encontrando novas rotas para a produção do combustível. Isso aqui é muito importante porque cria escala. Poucos países têm o potencial de produzir SAF como o Brasil e essa iniciativa é importantíssima para desenvolver essa indústria. Um negócio crucial para o desenvolvimento desse combustível para o Brasil e para o mundo”, frisou o executivo.
“Como fabricantes de aviões, ficamos ansiosos para que se tenha o combustível disponível. Os nossos equipamentos já estão sendo produzidos para usar o SAF”, acrescentou ele.
Projeto
O início da operação do Laboratório H2CA ocorre em um contexto em que, a partir de 2027, o setor aéreo brasileiro terá de reduzir as emissões de Carbono de voos internacionais. O gás é um dos vilões do efeito estufa. “O uso do SAF será obrigatório e já estamos testando esse uso”, disse Peralta. Hoje, uma regulamentação da ANP já permite a adição de 50% de SAF à composição de combustíveis fósseis (à base de petróleo).
O projeto de produção do Combustível Sustentável de Aviação no Rio Grande do Norte é executado por meio de parceria entre a Cooperação Técnica Alemã para o desenvolvimento sustentável (na sigla alemã GIZ – Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit) e o SENAI-RN. A iniciativa é realizada por meio do ISI-ER, com o apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e participação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Do Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis, participam do projeto os pesquisadores Fabiola Correia, Juan Ruiz (pesquisador líder do Laboratório de Sustentabilidade do ISI), Giovanny Silva de Oliveira, Daniel Silveira Lira, Tellys Lins Almeida, Ciro Lobo e os bolsistas Matheus Almeida, Marcia Fernanda Teixeira e Paula Fabiane Pinheiro.
O reitor da UFRN, Daniel Diniz e a pesquisadora Amanda Gondim, que coordenou o projeto na Universidade, participaram da cerimônia. Representantes do MCTI e do Ministério de Minas e Energia também integraram a programação.
“Esta é uma planta piloto com maturidade industrial, que possibilita passarmos da escala de produção experimental que tínhamos até então para uma escala maior, piloto, permitindo o desenvolvimento de testes e de novos produtos em condições reais de operação industrial”, diz a pesquisadora doutora em Engenharia de Petróleo do Laboratório de Sustentabilidade do ISI, Fabiola Correia, coordenadora do projeto.
“Até outubro deste ano”, acrescenta ela, “a expectativa é ter a primeira amostra do combustível para buscar a certificação junto à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e apresentar o produto ao mercado”. “Só após a certificação a etapa de comercialização é possível”.
A produção
A perspectiva com o Laboratório de Hidrogênio e Combustíveis Avançados é elevar de 200ml/dia para até 5 litros/dia a produção de Syncrude, o petróleo sintético desenvolvido no Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis para ser transformado em SAF.
A capacidade de produção somente do combustível será dimensionada por meio de estudos e experimentos práticos na área. Estudos de viabilidade técnica e econômica também deverão estimar, até o final do ano, o preço do combustível.
O SAF será obtido a partir de glicerina, coproduto da indústria de biodiesel com alto valor energético, mas atualmente subutilizado no Brasil ou exportado com baixo preço de mercado.
A oferta do produto em excesso e o custo reduzido trazem perspectivas de barateamento para o novo combustível, segundo informações da pesquisadora, imprimindo, ao mesmo tempo, valor agregado ao produto.
“O Brasil exporta hoje a glicerina e ainda sobra. Com o projeto que estamos desenvolvendo a ideia é usá-la como matéria-prima do jeito que sai da indústria ou com pré-tratamento, dando a ela uma destinação mais nobre, que agrega valor por meio da produção do combustível, resolve uma demanda ambiental importante e traz soluções à indústria”, frisa Fabiola.
A glicerina, para produção do SAF, é transformada em gás de síntese por meio de recirculação química – processo em que a matéria-prima é convertida em uma mistura de hidrogênio renovável (H2V) e monóxido de carbono (CO), insumos necessários para a obtenção do combustível líquido.
O gás de síntese é enviado para um “reator de Fischer-Tropsch”, rota tecnológica que tem como vantagem, sobre outras, possibilitar a produção de combustíveis a partir de um número maior de matérias-primas. A partir desse ponto ele é convertido em combustível sustentável de aviação. Na prática, vira Querosene Sustentável de Aviação.
Além de apoiar a produção e a aplicação de Combustíveis Sustentáveis de Aviação no país, o objetivo é estudar e avaliar parâmetros operacionais na obtenção de Querosene Sintético.
O laboratório também deverá operar como unidade de testes para a indústria de aviação brasileira. O QAV produzido, segundo as instituições envolvidas, será certificado pela ANP e terá seus processos otimizados com o tempo para atender as necessidades da indústria.
SOBRE O ISI-ER
O Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER) é a principal referência do SENAI no Brasil em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) em energia eólica, solar e sustentabilidade, incluindo novas tecnologias como o hidrogênio verde. Está em operação no Hub de Inovação e Tecnologia (HIT) do SENAI-RN, em Natal, desde 2018, e foi oficialmente inaugurado em junho de 2021, com a conclusão das instalações e a operação plena dos laboratórios. O Instituto faz parte da maior rede privada de institutos de PD&I criada no Brasil para atender as demandas da indústria, composta por 26 Institutos SENAI de Inovação.