Leitor, para entender como o angico tem potencial de ser uma peça do seu guarda-roupa é necessário recuperar a história de uma outra planta. Calma! Você verá que faz sentido. Bora lá:
Tudo começou com a Japanese Knotweed (Reynoutria japonica). Ou melhor falando: a Sanguinária-do-Japão. A planta, originária das regiões vulcânicas do Japão e China, chegou à Europa pelas mãos de um botânico holandês no século XIX e chamou a atenção pela beleza.
A planta, então, logo se propagou pelo continente, principalmente na Inglaterra, e passou a ser um problema econômico e ambiental – se tornando a planta mais temida do país britânico.
Isso porque não existe na Inglaterra nenhum predador da Sanguinária-do-Japão, que tem raízes que chegam até 4 metros de profundidade e se multiplica por meio de pequenos fragmentos da raiz, o que faz do processo de remoção custoso e complexo.
A erva daninha perfura paredes, asfaltos e, por isso, tem causado prejuízo econômico para as cidades inglesas.
Como toda história tem dois lados, a designer brasileira Marina Belintani decidiu investigar, em 2020, no projeto final de mestrado em Desenvolvimento Têxtil pela Royal College of Art, se a Sanguinária-do-Japão poderia ter algum valor comercial.
Ela descobriu na planta o potencial de ser matéria-prima para o desenvolvimento de diversos biomateriais. Marina conseguiu extrair pigmentos, aromas e fibras que deram forma à tecidos, biocompostos, bioplásticos, papéis e até incensos.
“Como todo processo gera ‘resíduos’, ao enxergá-los como ingredientes e reincorporá-los novamente em outros processos de produção, me deparei com uma imensa quantidade de novos ingredientes e oportunidades de desenvolvimento”, afirma a designer.
Segundo Marina, de uma única planta, foi possível extrair 34 cores e materiais com mais de 15 propriedades que podem ser usados por diferentes setores da indústria, como têxtil, moda, embalagens, cosmético, construção, alimentício e papel.
Agora, sim: o angico
Com o mestrado concluído e de volta ao Brasil, Marina começou a estudar o potencial da vagem do angico. Mas por que essa planta? Presente em quase todos os biomas brasileiros (Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica), o angico também é meio que onipresente na cidade onde Marina nasceu, em Matão, município de São Paulo.
Ao longo dos estudos, a designer desenvolveu uma técnica para transformar a vagem do angico, até então sem valor comercial, em biocouro.
A ideia é valorizar um resíduo florestal, retirando-o do chão das cidades e torná-lo útil com uma mãozinha da tecnologia – justamente o conceito da bioeconomia e da economia circular, que integram a missão “Descarbonização” proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) no Plano de Retomada da Indústria.
Segundo dados da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), o setor de biotecnologia industrial – um dos segmentos da bioeconomia – pode agregar, nos próximos 20 anos, aproximadamente US$ 53 bilhões anuais à economia brasileira e cerca de 217 mil novos postos de trabalhos qualificados.
Para isso, as empresas do setor precisariam investir aproximadamente US$ 132 bilhões ao longo do período.
Couro x biocouro
Uma breve explicação: a Lei nº 4.888, de 1965, proíbe o emprego da palavra couro, mesmo modificada com prefixos e sufixos, para denominar produtos que não sejam obtidos exclusivamente da pele animal. No entanto, com o desenvolvimento de novas tecnologias para criar produtos a partir dos outros recursos naturais, o conceito “biocouro” passou a ser usado por empresas, startups e, inclusive pela academia, para denominar itens feitos a partir da flora e da fauna com características semelhantes.
Mais vagem, por favor
A criação de Marina também vai ao encontro do movimento de encontrar novos insumos para a indústria indústria têxtil.
“É inegável que as indústrias estão muito carentes e necessitam desses novos materiais. Mais que ofertar um material com baixo impacto ambiental, tem todo um cuidado com o ecossistema”, diz a designer.
Sem ter conhecimentos na área de negócios, Marina apresentou as criações à empresária e financista Rachel Maranhão.
Em 2022, a dupla fundou a Mabe Bio – empresa de biotecnologia que converte plantas em novos materiais biodegradáveis, livres de plásticos e produtos tóxicos.
Atualmente, o projeto recebe financiamentos da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), do Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI CETIQT) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
“Ter descoberto o potencial da Japanese Knotweed me mostrou um mundo de oportunidades e mudou minha percepção em como vejo a matéria descartada. Nominar algo como descartável e inutilizável é meramente um ponto de vista e está nos olhos de quem vê”, afirma Marina
Agência de Notícias da Indústria